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Sobre Entrevistas (parte 2)

O Phillip Calçado blogou há alguns meses sobre entrevistas e eu resolví agora fazer uma espécie de continuação. Depois daquele post já aconteceram dois processos seletivos aqui na equipe e tenho algumas coisas a acrescentar.

Com o passar do tempo e das entrevistas, acabamos aprendendo algumas coisas e já tínhamos algumas idéias para serem aplicadas, como o Phillip bem disse. Tiramos algumas idéias interessantes do Joel Spolsky, mas ainda não era o suficiente. Ainda estava faltando um formato definido para as entrevistas, um roteiro. É claro que as entrevistas têm que ser flexibilizadas de acordo com o seu andamento ou o candidato, mas eu particularmente ainda sentia falta de não termos um planejamento definido para as conversas. Muitas vezes o candidato ia embora e eu sentia que eu tinha ido muito mal na entrevista, o que era péssimo.

Depois de misturar algumas idéias de Scrum com coisas que eu lí no Peopleware e mais todas as experiências anteriores, fiz um roteiro para o nosso último processo seletivo que acabou funcionando bem melhor do que eu imaginava.

Vou tentar explicar um pouco melhor como funciona:

Etapa 1: Captando currículos.

Para captar currículos legais, tentamos escrever uma mensagem o mais clara possível do que estávamos procurando e com a cara da nossa equipe. O Phillip escreveu a primeira versão dessa mensagem e depois ao longo do tempo ela foi sendo ajustada. No final ficou mais ou menos assim.

É um pouco diferente do que se vê por aí mas explica com bastante detalhes o dia a dia do trabalho e mostra nosso clima descontraído e irreverente. Acho que o fato de passarmos emoções na mensagem faz com que algumas pessoas se identifiquem com a oportunidade mais facilmente (ou que a descartem logo de cara). O principal objetivo da mensagem era passar a seguinte idéia: venha trabalhar aqui porque é muito legal!

Etapa 2: Selecionando os currículos.

Fazer uma seleção curricular cuidadosa foi importante para conseguir selecionar os candidatos mais adequados e não perder muito tempo entrevistando pessoas que não se encaixavam no perfil requerido para a vaga.

Alguns currículos foram muito fáceis de descartar, porque os candidatos simplesmente não conseguiram atender a um único e simples pedido: não enviaram a relação dos 3 últimos livros que leram. Das duas uma: ou o candidato não leu nada (e nós não queremos gente que não lê), ou não leu a mensagem até o final (e pode ser um daqueles que envia currículo para todas as oportunidades do planeta, que nós também não queremos).

A lista dos 3 últimos livros lidos é muito interessante porque diz muito sobre os interesses e o nível técnico da pessoa. É tiro certo: os candidatos que leram os livros mais interessantes geralmente têm os currículos mais interessantes.

Etapa 3: Entrevista pessoal.

Na entrevista pessoal a estratégia era falar a menor quantidade de tempo possível. A justificativa é simples: você tem apenas alguns minutos para descobrir o máximo possível sobre a pessoa. Fazendo uma matemática simples, podemos concluir que quanto menos se fala mais o candidato tem oportunidade para falar.

Quando a entrevista já estava mais para a última metade eu começava com as perguntas mais técnicas e difíceis. Na medida do possível tentei perguntar detalhadamente sobre a maioria das coisas que foram colocadas no currículo, especialmente quando o currículo era recheado de siglas. Fiz questão de me assegurar de que aquilo não estava ali só para fazer volume. Acabei descobrindo que muita gente não sabe para que servem os Design Patterns que estão em seus currículos, que não sabem resolver problemas simples de arquitetura ou que não conhecem o básico sobre concorrência, sistemas operacionais, redes, protocolos, algorítmos, etc.

Nos minutos finais eu explicava detalhadamente como funciona a empresa, com o que a empresa trabalha e com que tipo de coisas o candidato iria se deparar. Uma vez tentei fazer isso no começo da entrevista mas percebí que isso fazia com que o candidato ficasse o tempo todo tentando falar coisas que ele achava que eu queria ouvir, então achei melhor continuar fazendo no final mesmo.

Etapa 4: Entrevista com a equipe.

Quem passou na entrevista pessoal chegou na etapa mais interessante do processo: a entrevista com a equipe de desenvolvimento. Por isso é tão importante fazer um bom filtro na fase anterior, porque a equipe tem mais o que fazer e eles não podem perder muito tempo. Todas as pessoas que foram para essa fase tinham plenas condições de trabalhar aqui, só precisavamos escolher as melhores. Basicamente a idéia dessa fase é que não há ninguém melhor do que as pessoas que fazem o trabalho para avaliar se alguém também está apto para fazê-lo.

Nesta etapa estabeleciamos um timebox (de 30 a 40 minutos) para que aqueles candidatos que gostam de falar demais saibam que eles tem tempo curto e que devem ser breves e objetivos. As perguntas não eram planejadas e a equipe perguntava sobre o que vinha na cabeça.

Nos primeiros 15 minutos fazíamos perguntas mais abstratas como “o que você sabe sobre x” ou “conte sobre sua experiência com y” e por aí vai. A partir daí a equipe ia pegando “ganchos” no que o candidato ia falando e as perguntas iam fluindo. Como tinham muitas pessoas na sala e todos queriam perguntar, tivemos que usar uma bola para organizar quem ia falar. Quem estava com a bola estava no comando e quem não estava ficava calado e escutava.

Nos últimos 15 minutos fazíamos as perguntas cascudas. Normalmente pegávamos situações do nosso dia a dia e criávamos problemas para as pessoas resolverem. Perguntamos sobre problemas de concorrência, arquitetura da JVM, arquitetura de sistemas de cache, algorítmos e por aí vai. As perguntas eram bem pesadas e o clima geralmente ficava bem tenso, mas o intuito era esse mesmo. Muitas pessoas que tinham ido muito bem na etapa individual travaram completamente quando ficaram sob pressão.

No final, para descontrair, falávamos várias bobagens e fazíamos perguntas sociais: tipos de música preferidos, hobbies, time que torce, se é casado, tem filhos, piadas nerds diversas e coisas do tipo.

Etapa 5: Escolhendo o candidato.

Depois da equipe entrevistar todos os candidatos fizemos um debate para escolher quem seria selecionado. Todas as pessoas opinaram e escolhemos juntos quem entrou. Essa idéia veio do Scrum, onde o time toma as decisões em conjunto de tudo que é feito. Isso é bom por dois motivos. O primeiro é que várias cabeças pensam melhor que uma. Se todas as pessoas gostam de alguém e só eu que não gosto, o problema possivelmente está comigo. No fim das contas eu acabo me previnindo de fazer alguma besteira e escolher a pessoa errada. O segundo motivo é que como todos concordaram em escolher um determimnado candidato, ninguém pode ser culpado posteriormente por ter feito a escolha errada. Se errarmos, erramos todos juntos (o que é bem mais difícil de acontecer).

Esses debates foram muito engraçados porque o pessoal acabava comprando a briga de um ou outro candidato e virava um mega flame war. Nos casos em que todo mundo concordava, era maravilhoso, porque era a certeza absoluta que o candidato era o certo. Em compensação, quando ninguém entrava em acordo, era 458 mil vezes mais difícil de resolver. Quando isso acontecia, todo mundo dava sua opinião (eu inclusive) e tentávamos fazer com que alguém mudasse de idéia. Por sorte temos um número ímpar de pessoas na equipe e dava pra desempatar. Quando ninguém entrava em acordo e ficávamos empatados e totalmente travados, eu acabava dando o voto de desempate.

Etapa 6: Entrevista final com o gerente.

Depois dos candidatos serem escolhidos pelo “comitê” eles foram para uma última entrevista comigo e o gerente da área. Essa etapa foi a mais tranquila de todas porque as pessoas que chegaram até ela já tinham recebido a certificação de capacidade técnica pela equipe, então as perguntas foram muito mais sobre questões sociais, objetivos de vida, profissionais e por aí vai. Basicamente é a entrevista para o candidato ser abençoado e o martelo ser batido.

Não sou nenhum especialista em recursos humanos e nem em recrutamento, mas esse processo me parece que funciona bem. Estou satisfeito com as pessoas que contratamos e contente por termos achado uma forma mais divertida e eficaz de selecionar pessoas.

29 replies on “Sobre Entrevistas (parte 2)”

Achei muito legal tudo menos a parte dos livros, que me deixo na duvida. Numa época com wikis, forums e blogs, qual é Guillerme a grão motivação para filtrar somente funcionários que tenhan lido 3 ou mais livros?

Tenho essa duvida porque eu não sou muito de ler livros, mas leio um monte na net, acho que a comunicação e mais direta e o feedback ajuda bastante.

Oi Diego,

Eu também leio bastante na Internet, assim como você. Meu Google Reader deve ter uns 300 sites e blogs e atualmente tenho mais de 1000 itens por ler. Mesmo assim, aqui da minha cadeira, onde estou no momento, consigo contar mais de 100 livros técnicos.

Pode ser um GRANDE coincidência, mas como falei, normalmente as pessoas que lêem os livros mais legais tem os currículos mais legais. E quer saber… sinceramente, acredito que isso não é uma coincidência.

Como se essas já não fossem justificativas suficientes, a lista de livros me ajudou muito a identificar o interesse das pessoas e em que nível profissional elas estão.

Abraços,
Guilherme

“Livro” é genérico neste contexto. Se você me disse que leu Practical Common Lisp ou o SCIP em HTML, um paper de 1976 sobre módulos em Orientação a Objetos ou The PragProg em PDF em não veria problema algum.

A diferença do conteúdo genérico é que os livros(em papel, PDF, HTML, o que seja) (1) são obras *geralmente* mais aprofundadas e (2) são as referências mais importantes da área.

O que ão dá é para ler apenas tutoriais, ver screencasts e achar que sabe de algo.

De qualquer modo a motivação tem mais a er com saber seus interesses. Na época que eu fazia a seleção para a Globo.com muita gnete me mandou email dizendo algo como: ‘Não li nada recenetemente mas costumo acompahar a lista de Domain-Driven Design’. Isso já mostra o interesse da pessoa.

Se no entanto o último livro que a pessoa leu tem algo como ‘Aprenda XYZ em 24 horas’ já se imagina que não está muito acostumado com conteúdo de qualidade, nem sabe avaliar o nivel de conhecimento necessário.

A perunta pelos livros é um meio, não o fim 😉

Achei muito interessante a pergunta sobre livros, acho que ela é sim um meio para saber muito sobre o candidato.
Eu trabalhei com uma pessoa em desenvolvimento que me disse que não gostava de ler nada! Oras, como isso, se na informática o que mais se faz é ler, no mínimo você vai ler código fonte.
Acredito sim que a pessoa que lê mais, tem mais chances de se comunicar melhor, maiores conhecimentos e etc… E não se deve ler somente livros técnicos. Boas histórias ou livros de negócios nos inspiram.

Gostei do post… fico feliz por achar que aquelas entrevistas idiotas com psicólogos que não entendem nada de ciência da computação, com dinâmicas de grupos e perguntas capciosas não são só mal vistas por mim =)

Ai que vontade de mudar de emprego.. hehehehe

Achei bem interessante o seu post. A questão que te coloco é se um candidato le diz que os ultimos tres livros dele foram sobre temas não ligados a informatica ? No meu entender isso pode te indicar alguem que possui um perfil dinamico e uma abertura para o conhecimento. Não gosto muito de esteriotipos pois eles so servem para coisas e não gentes. Hoje temos a mania de acreditar que os melhores programadores são aqueles que “conhecem” mais tecnologias quando, pura hipotese, pode ser justo o contrario.
Quando entrevisto alguem procura saber sobre o humano por tras do curriculo e de seus possiveis potenciais inclusive fora do metier desejado.
insisto no aviso de cuidado com as formulas magicas

Fiquei com uma dúvida, quando é que vocês falam o salário e os benefícios para o entrevistado? Acho que se tem uma coisa que deixa qualquer um louco da vida é você passar por uma bateria de testes e quando vai ver o salário é uma merda! Pelo menos se o entrevistado não concordar com o salário, já é um tempo economizado para ambas as partes.

Andre,

Vou repetir o que eu escreví hoje de manhã no blog do Francisco:

“[…] não fazemos um rankeamento baseado em acertos. Não necessariamente o candidato que acerta tudo é o que vai ser contratado. Nem cheguei a entrar nesse detalhe no post, mas as pessoas são escolhidas (1) pelo consenso do grupo e (2) pelo comportamento geral na entrevista, articulações, experiência, etc, etc, etc.

Como eu deixei algumas coisas em aberto, acho que você acabou assumindo algumas coisas […]”

Eu não disse que avalio o perfil pessoal das pessoas nesse post, mas não é por isso que eu deixo de fazê-lo! É ÓBVIO que isso é avaliado, e aliás é avaliado em todas as etapas do processo. Isso é o básico de qualquer processo seletivo. Algumas partes do processo não foram detalhadas de propósito, porque são coisas realmente básicas.

Meu objetivo aqui não foi escrever uma receita de bolo ou uma fórmula mágica, algo do tipo “siga esses passos e você só vai contratar gente boa”. É simplesmente um relato de algumas experiências minhas que podem ser úteis de alguma forma para alguém.

Ah, e sobre a questão dos últimos livros, eu comí mosca no post. A lista que foi pedida na verdade é dos três últimos livros TÉCNICOS que foram lidos. Mesmo assim várias pessoas mandaram listas de livros não técnicos e mesmo assim foram chamadas para a entrevista.

Mais uma vez, isso não é um critério único de seleção. É apenas mais uma ferramenta para ajudar a escolher as pessoas.

Oi ASOBrasil,

Falamos de salário logo na primeira entrevista. Realmente é perda de tempo fazer esse processo todo se já soubermos desde o início que possivelmente não haverá um acordo salarial bom para ambas as partes.

[ ]s, gc

Hehehe… show de bola o post.
Da próxima vez que tiver alguma vaga me avisa, se for preciso me mudo de Belém para o Rio… rsrs
Abraços

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