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Agile

Agile não é bala de prata

Esses dias numa conferência alguém veio me contar a sua história, que era de uma empresa que nos últimos anos vinha desenvolvendo seus projetos de forma tradicional, em cascata, e que tinha gostado do que tinha visto sobre metodologias ágeis e estava pensando em tentar. Ele gostou principalmente da idéia de trabalhar com desenvolvimento iterativo e decidiu que iria tentar usar Scrum na sua empresa.

Passadas algumas semanas encontrei denovo com essa pessoa em um outro evento. Para a minha surpresa, ela me disse que sua vida estava um inferno! Os clientes não estavam dispostos a fechar contratos de escopo negociável, eles queriam saber exatamente o que e quando os projetos seriam entregues. Eles definitivamente não quiseram trabalhar com desenvolvimento iterativo, até porque os projetos já eram bem curtos (menos de 1 mês). Pra terminar, por ser uma agência pequena a equipe é de menos de 10 pessoas fazendo com que uma pessoa precise trabalhar em 3 ou 4 projetos ao mesmo tempo. E por aí vai…

Então eu perguntei: Quantos projetos davam errado antes de você começar com Agile?
E ele respondeu: Todos os nossos projetos sempre foram bem sucedidos.
E eu perguntei denovo: Então qual é o problema que você está tentando resolver usando Scrum e desenvolvimento iterativo?
(silêncio…)
Eu novamente: Ok, já entendí. Faça o seguinte, volte para o seu processo de trabalho antigo. Não sei como é mas me parece ótimo.

Muita gente se surpreende quando eu falo isso. Só porque eu falo sobre desenvolvimento ágil não significa que eu acho que isso é a solução para todos os problemas. Se todos os seus clientes estão satisfeitos do jeito que você está trabalhando, seus projetos não falham, você faz ótimas entregas e tudo está ótimo, você não tem um problema. E se você não tem um problema, você não precisa resolver nada. E nesse caso eu recomendo: não use uma metodologia de desenvolvimento ágil só porque está na moda.

Metodologias ágeis partem do princípio de que os requisitos de um projeto de software vão mudar. Geralmente em projetos de software grandes é muito difícil de planejar todos os requisitos de uma vez no início do projeto. Não seria impossível fazer isso mas o custo é tão alto que vale mais a pena planejar menos e ir adaptando o software e os requisitos ao longo do tempo até que ele esteja pronto. No cenário dessa pessoa, como os projetos são muito pequenos é perfeitamente possível planejar tudo antes em pouco tempo e desenvolver em seguida.

Em alguns outros casos onde os requisitos não mudam waterfall também pode fazer sentido. Por exemplo, quando você desenvolve software para o governo, toda a especificação do projeto normalmente é produzida e informada antes em um edital. Algumas vezes até o prazo de entrega já está definido. Eu pessoalmente já trabalhei em vários projetos desse tipo que deram certo, que foram entregues dentro do prazo, atendendo a especificação e sem maiores problemas. Como tudo estava funcionando, não havia motivo para pensar em outra forma de desenvolvimento que eventualmente poderia trazer mais problemas do que soluções, como no caso dessa pessoa que conversou comigo.

O que eu quero dizer com isso tudo é que não existe uma metodologia que funciona para todos os casos e todos os projetos do mundo. Assim como você deve usar a melhor ferramenta para cada problema, você deve usar a melhor metodologia para cada projeto.

No projeto que eu estou atualmente estamos quebrando vários paradigmas de desenvolvimento ágil. Estamos com times gigantes, usando quadros de Lean totalmente customizados misturados com Scrum e por aí vai. Estamos sempre analisando os resultados das iterações e replanejando nosso processo. Apesar de todos os livros dizerem que os times têm que ser pequenos, estamos trabalhando com um time de 20 pessoas que dá certo e está super produtivo. Esse é o espírito: faça o que for melhor para o projeto e o que te fizer ter os melhores resultados, não o que alguém diz que é certo ou é errado ou o que está na moda.

É perfeitamente possível desenvolver projetos bons em qualquer metodologia. Entenda qual é o seu cenário, quais são os seus problemas, limitações e aí sim decida qual é a melhor forma de trabalhar nos seus projetos.

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Engenharia de software XP

Como produzir software “coxa”

Acabei de ler um post no blog do Phillip que me lembrou de uma história que eu queria escrever aqui.

A história que você lerá a seguir é uma dramatização do que acontece diariamente no mundo do desenvolvimento de software carinhosamente entitulada Como desenvolver software “coxa”.

Imagine uma empresa que está com necessidades de desenvolver um software. E imagine também que esta empresa (cliente) contratou uma empresa de 3 letras para fazer o trabalho.

Então, o projeto começa com a empresa contratada fazendo uma análise extensa do que será desenvolvido. Caso você não saiba, estas empresas te fazem acreditar que o RUP tem uma fase de análise antes de tudo, quando isso na verdade caracteriza um processo de desenvolvimento waterfall que é bem diferente do processo de desenvolvimento iterativo do RUP.

Depois de analisar exaustivamente tudo que precisa ser feito, eles acham que sabem tudo que o cliente precisa e com isso acham que sabem exatamente quanto tempo irá levar. Baseado nisso é estipulado um prazo de entrega do software para o cliente, assim como é estipulado um preço fixo para o trabalho.

Fechado o contrato, o projeto é iniciado. E quando começa o projeto sempre acontece a mesma coisa: a equipe de desenvolvimento começa a descobrir que certas coisas não são tão simples quanto pareciam ser. A equipe se depara com vários problemas que não haviam aparecido na fase de análise e cada vez fica mais chocada com a quantidade de coisas novas que vão surgindo. Nesse momento a equipe percebe que o projeto, que estimou-se que precisaria de 4 meses para ser desenvolvido, na verdade precisa de 8 meses para ser desenvolvido!

Então alguém surge com a brilhante idéia de contratar mais pessoas para a equipe. Afinal de contas, da mesma forma que nove grávidas conseguem parir um filho em um mês, 20 desenvolvedores conseguem fazer na metade do tempo o trabalho que 10 fariam – parece perfeito!

Mas espera aí, o preço já está combinado com o cliente desde o início. Então contratar mais pessoas é a maior furada, porque o cliente não pagará nada a mais por isso e se o custo do projeto for maior a empresa não terá lucro. Pior ainda, a empresa pode ter prejuízo! Neste momento a empresa decide comuncar ao cliente que o projeto terá que atrasar.

Quando a empresa vai dar a notícia para o cliente o cara normalmente quer matar o gerente do projeto, quer se matar, ou OS DOIS (depende do tamanho do projeto)! Afinal de contas ele pagou 50% adiantado e quer logo o retorno do seu investimento. Se o projeto ia demorar 4 meses e agora vai demorar 8, significa que todo o seu planejamento financeiro e de retorno de investimento do software foram por água a baixo. Nesse momento o cliente bate na mesa com força e diz: “se virem, eu não quero nem saber como vocês vão fazer mas eu quero o meu software na data combinada!”.

Exatamente neste momento foi parido um software “coxa”!

Vou explicar fazendo uma analogia: qualquer criança de 10 anos sabe que não existe “bom, bonito e barato”. Ou é bom, bonito e CARO; ou é RUIM, bonito e barato; ou é bom, FEIO e barato. Não tem jeito, é assim que funciona, não é possível ter tudo ao mesmo tempo.

Com software funciona exatamente da mesma forma. Só o que muda são as dimensões: qualidade, tempo e custo. Da mesma maneira que não existe nada bom, bonito e barato, não existe software “bom, desenvolvido rápido e barato”. Ou é bom, desenvolvido rápido e CARO; ou é bom, DESENVOLVIDO EM MUITO TEMPO e barato; ou é RUIM, desenvolvido rápido e barato.

No caso deste projeto repare que duas das dimensões do software não podem ser alteradas: preço (porque já foi combinado com o cliente e está em contrato) e tempo (porque a data de entrega já está estipulada). Sendo assim, como não dá para ter tudo ao mesmo tempo, a qualidade vai para o brejo. Neste momento é que vem a ordem do gerente de projeto: “gente, faz qualquer coisa aí, o importante é entregar o que foi combinado com o cliente, não importa como, faz tudo nas coxas mesmo!!”. E mais um software “coxa” será entregue.

Se eu contar os softwares “coxa” que eu já ví por aí ninguém acredita. O mais bizarro deles e que não poderia deixar de ser citado tinha o seguinte código na tela de autenticação (PHP):

if (($_REQUEST["login"]  == "admin") && ($_REQUEST["senha"]  == "1234")) {
    header("Location: index_autenticado.php");
} else {
    header("Location: index.php?mensagem=Login%20invalido");
}

No final das contas, quando o projeto é entregue, o cliente vê as telinhas e se as telinhas estiverem aparecendo e estiverem no mínimo bonitinhas ele vai dar pulos de alegria! Eventualmente até irá contratar a empresa para outro projeto ou indicar para amigos e outros projetos dentro da sua empresa. Por baixo dos panos existe esse monte de lixo, mais ou menos como um vulcão que pode entrar em erupção a qualquer momento causando efeitos devatadores! Deixa só alguém pedir para trocar a senha do sistema para ver o que vai acontecer…

Para mim é claro como água: não adianta querer prever tudo que acontecerá no projeto e pré-fixar datas e valores. É receita certa para fazer lixo. Já está mais do que provado que não funciona, porque insistir no mesmo erro?

Se você que está lendo se identificou com a história (o que não é nem um pouco difícil), sugiro fortemente que você leia sobre um modelo de contrato de desenvolvimento de software proposto pelo XP que muito me agrada: o Contrato de Escopo Negociável. O artigo é bem grande mas vale apena ler até o final! Você vai perceber que as coisas não precisam ser assim tão tristes nos projetos de desenvolvimento do software.